GT 10 – História Pública e Comunidades
Coordenadores:
Andréa Telo (Museu do Ingá)
Suzana Ribeiro (Unitau)
Marta Gouveia de Oliveira Rovai (UNIFAL)
História Oral e História Pública: os caminhos para a posse da terra na favela Vila Operária
Denize Ramos Ferreira – UERJ
A constituição da favela como um problema ganhou força no momento em que a nossa república se estruturava no final do século XIX, início do século XX. Embora ainda constituíssem locais pouco numerosos, já se apresentavam como um espaço geográfico que despertava preocupação como a Vila Operária, que ocupando um morro não habitado, preocupava políticos e o legítimo proprietário por ter moradores que desde o começo buscavam fortalecer a sua identidade social e econômica. A terra foi elemento agregador para esses moradores. O Estado negociou em segredo a compra deste morro a partir de 2008.Os moradores não tinham conhecimento deste fato. Quando tornamos esta história pública, o Estado foi obrigado a reconhecer, por interferência do Poder Judiciário, que os moradores da Favela Vila Operária têm direito à posse da terra. A História Oral e a a sua publicização tornaram reais o sonho de 1958.
O processo de implementação do feriado 20 de novembro no ABC Paulista
Leon Santos Padial – USP
Este trabalho tem o objetivo de analisar a implementação do feriado municipal de 20 de novembro, denominado Dia Nacional da Consciência Negra em homenagem ao Herói Nacional Zumbi dos Palmares. A simbologia histórica do Quilombo dos Palmares traz a problemática da subalternidade imposta às populações negras em África e na diáspora atlântica. O trabalho discute através das contribuições das Ciências Humanas, a integração social da população negra brasileira. Os movimentos sociais negros são discutidos à luz das teorias dos chamados “novos” movimentos sociais. Uma pesquisa documental analisa as legislações que implementaram o feriado 20 de Novembro no ABC Paulista. Posteriormente, uma pesquisa empírica com ativistas anti-racistas da região retrata o contexto político e a movimentação dos atores sociais favoráveis e contrários ao feriado.
Identidade Guarani: Terra e território das Comunidades Indígenas de Dourados – MS
Marina Evaristo Wenceslau e Djanires Lageano Neto de Jesus – UEMS
As comunidades indígenas do município de Dourados, Guarani, Terena e Kaiowá, localizadas no estado de Mato Grosso do Sul – MS, Brasil, são núcleos de dinâmicas culturais e históricas, representada pela narrativa de luta por meio de sua identidade e alteridade, tendo como base o território. A terra para o indígena é a essência da vida, tanto no passado como projeção para o futuro. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar a cultura destes indígenas, através de uma análise crítica sobre sua representatividade etnocultural demonstrado na vida e nas movimentações representativas em função da terra e o território. O método descritivo e a oralidade possibilitam o aporte metodológico bem como os procedimentos baseados em análise das condições de vida, nas interferências diretas e indiretas, por meio da experiência indígena em seu próprio território e na sociedade envolvente. Os resultados obtidos revelam, em parte neste artigo, resultados, interferências e consequências que demonstram as expectativas da comunidade tanto nas relações dentro e fora da aldeia. O território, então, faz parte não somente do sistema de identificação dos Guarani, mas sobretudo é o próprio sustentáculo, do lugar onde se realiza esta sociedade, onde a vida se complementa com os anseios, o de vir, os mitos e os ritos. É importante destacar que desde o período colonial, o indígena perde sua terra paulatinamente e enfrenta mudanças internas para um povo que é acostumado a viver livremente, caçando, pescando e plantando para subsistência. A terra ainda tem um sentido sagrado, cultural, de rito, de mito e é vida. Assim, a necessidade de preservar a terra para seus filhos, netos, bisnetos e assim sucessivamente, assim como para seus mortos. Eles não reconhecem as fronteiras. As fronteiras não se limitam apenas com as propriedades circunvizinhas, mas com o país vizinho, Paraguai. Desta forma fica acentuado o sentido de vida, e as visitas para seus parentes, a luta pela sobrevivência e outros elementos. Atualmente, as terras indígenas, delimitadas e demarcadas, estabelecendo limites a esses povos em qualquer fração ou região de espaço sem ao menos tomar conhecimento do aumento populacional. Na realidade para declararmos como Terra Indígena, tal como está na Constituição, e a compreensão antropológica dos fundamentos da ocupação e territorialidade indígena terão que considerar seu modo de vida, seus usos e costumes, preservando a identidade e sua alteridade.
O pesquisador como mediador entre Universidade e comunidade de pescadores: Canárias (MA) e Arraial do Cabo (RJ)
Marta Gouveia de Oliveira Rovai – Universidade Federal de Alfenas – UFES
A apresentação oral visa mostrar o trabalho realizado com o o processo de conhecimento, inventário e valorização da cultura material e imaterial de pescadores, nas comunidades de Canárias, no Maranhão, e em Arraial do Cabo, no estado do Rio de Janeiro. A criação de oficinas, o levantamento de saberes e fazeres, além do debate sobre os problemas enfrentados pelos trabalhadores – como o turismo depredador, a falta de direitos básicos como saúde, além da ausência de práticas preservacionistas pelas novas gerações – tornam o pesquisador um mediador e também testemunha das experiências das populações tradicionais, contribuindo para o fortalecimento da identidade, o empoderamento e a luta coletiva em favor de políticas públicas, juntamente a outras instituições
A Educação Física na Educação Popular: participação no processo de construção da identidade de crianças no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
Alexandre José Arcanjo – USP
Este trabalho tem por objetivo descrever a maneira como se desenvolve a Educação, principalmente a Educação Física, nos movimentos populares. Para isso busca compreender o processo histórico e social da Educação Popular e da Educação Física no contexto brasileiro. E também realiza uma reflexão de como foi o momento histórico pós-ditadura para a área da Educação Física e como se desenvolveu o conhecimento desta, numa visão humanista. Trata-se de um estudo da educação, do corpo e da cultura na constituição da identidade das crianças no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST), apoiado em vários autores que refletiram sobre Educação Popular, Educação Física, Corpo, Cultura e Identidade. O trabalho se desenvolve primeiro de maneira teórica e em seguida parte para uma análise da práxis da Educação Física e da construção da identidade dentro do MTST. Neste sentido foi realizado pesquisa bibliográfica e trabalho de campo através de uma observação participante no “III Encontro dos Sem Terrinhas da Regional Grande São Paulo do MTST” com o setor de educação do Movimento. Por fim, foi filmado o encontro seguido de análise do vídeo e produção do texto. O tipo de pesquisa social desenvolvida apóia-se em dados sobre o mundo social, que são construídos e ao mesmo tempo resultam dos processos de comunicação, buscando não apenas elucidar os conceitos, mas, através da comunicação, dia após dia, demonstrar a construção e aplicação de uma proposta de educação emancipatória. E é neste contexto que a cultura corporal vai se materializando, através de práticas que vão se constituindo e ganhando significados e construindo valores e identidades que resgatam os elementos da classe trabalhadora para a classe trabalhadora. Neste cenário, o processo pedagógico para a materialização dos objetivos com as crianças, busca olhar o mundo a partir do ponto de vista da criança, revelando uma outra maneira de ver a realidade, em que cultura, história e saberes são valores de época, portanto a nossa vida pode inventar seus próprios valores e estes, que constitui as identidades individuais e coletivas, devem ser uma busca coletiva, como a própria realização deste trabalho, realizado sempre de maneira dialógica com os vários atores.
Comunidade e identidade: reflexões para o trabalho em História Oral
Suzana Lopes Salgado Ribeiro – UNITAU
Estudos sobre comunidade têm ganhado certa centralidade nos trabalhos acadêmicos. Na área das humanidades, a sociologia, a história, a antropologia e a psicologia social preocupam-se com a questão. Na configuração da pós-modernidade estudam a fragmentação e a dissolução das comunidades. Estudam também a perda do senso de pertencimento e de identidade, a anomia, provocada pelas intensas transformações ocorrentes no mundo contemporâneo.
Importa lembrar que a própria produção histórica iniciou seus trabalhos com o estudo das comunidades e apenas mais tarde começou a se preocupar com a identidade. Para a história, os conceitos identidade e comunidade estão muito próximos e devem ser tratados conjuntamente. As reflexões sobre identidade se relacionam intimamente com comunidade na escrita da história, e desta forma extrapolam as fronteiras dos pioneiros estudos antropológicos e sociológicos. Importa, no entanto, marcar uma modificação. Os estudos de comunidades são marcas da história há muito, mas aqueles eram feitos de forma a manifestar o orgulho local. Aos poucos tais estudos foram promovendo um diálogo entre a micro e a macro análise e problematizando o conceito. Afastando da fixidez do modelo durkheimiano de sociedade e propondo comunidades construídas, imaginadas (Anderson) e até mesmo desconstruídas (Derrida) e reconstruídas. Assim, os estudos sobre comunidades desenvolvidos contemporaneamente, passam a refletir sobre os muitos aspectos da pluralidade e diversidade.
Os estudos de comunidade ligados à questão da identidade tendem a refletir sobre o pertencimento. Lembrando que o processo de formação de uma comunidade é coletivo e contínuo, sempre negociado entre coletividade e indivíduo. Dessas negociações constantes entre seus membros surge um sentimento de pertencimento à comunidade. As identidades passam a ser consideradas cada vez mais como processos em permanente movimento, e a emergência das comunidades e das políticas de identidades como fenômenos de resistência, conservadora ou progressista. Nas discussões dos trabalhos hoje produzidos têm tornado-se importante objeto de estudo as contradições do pertencimento. Isto pois, sabe-se que para se pertencer a um grupo, e se manter nele, é exigido um padrão de comportamento. A identidade construída coletivamente faz imposições, as pessoas do grupo cobram um comportamento que é o de representante. No limite, uma identidade criada para superar a exclusão pode igualmente se tornar excludente e intolerante. Em alguns casos nota-se que comportamentos desviantes também são punidos, e a própria comunidade, estabelecendo limites, exclui pessoas do relacionamento naquele grupo e apresenta ao pesquisador, em sua vivência de campo – situações de conflito. Assim se colocam questões importantes para o fazer da história e em especial em história oral. Questões para os pesquisadores que se aventuram em sua vivência junto às comunidades estudadas e se identificam com suas lutas e experiências. As reflexões sobre trabalho de campo de outras áreas do conhecimento são válidas para o historiador. O “estar lá” modificando o “estar aqui” (Gertz). Estar em campo é criar uma situação de fronteira, e isso também é questão importante para as reflexões atuais.
Degenerando feminismos: academia, movimentos sociais e interseccionalidade
Giovana Xavier – UFRJ
Em diálogo com os debates da história pública sobre a participação de diversos grupos na construção das culturas históricas, o objetivo deste trabalho é discutir as experiências do Grupo de Pesquisa Desconstrução de Gêneros (Degenera), explorando de que formas as articulações entre academia e movimentos sociais, primadas, de diferentes formas, pelas (os) participantes do grupo, têm contribuído para a ressignificação do feminismo dentro de uma perspectiva de desconstrução de lugares e práticas sociais. Esta perspectiva considera o potencial do feminismo como categoria analítica e intervenção, ambas comprometidas com a transformação das relações sociais através do combate ao sexismo, racismo, à homo e transfobia e às desigualdades de classe de forma interseccional. Discutiremos algumas ações do DEGENERA, promovidas a partir dos diferentes lugares de fala e atuação de suas pesquisadoras, pensando as potencialidades desses encontros nas discussões sobre sexo e gênero hoje.
Aborto: assunto público ou experiência privada? Os limites da interferência da comunidade nos discursos de mulheres e homens que vivenciam o aborto
Marcela Boni Evangelista – USP
A presença do aborto enquanto assunto público se faz sentir cada vez com maior intensidade na atualidade. A proximidade das eleições aponta para a possibilidade da repetição do ocorrido no pleito de 2010, quando observamos os candidatos à presidência oscilando nas intenções de voto em função de, entre outros pontos, seu posicionamento acerca da descriminalização do aborto. Os diferentes grupos sociais, por sua vez, têm demonstrado suas opiniões das mais diversas formas, que vão das conversas informais às manifestações públicas em redes sociais e situações em que as comunidades se reúnem e discutem assuntos que se colocam pertinentes. Igrejas, associações, ONGs, coletivos e tantas outras formas de organização social tornam-se espaço para a elaboração de discursos que veem no aborto assunto que divaga entre o direito à vida do nascituro e à dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Os posicionamentos conflitantes e proferidos nas situações descritas, contudo, se defrontam com números alarmantes de abortos realizados anualmente no Brasil. Assim como contrastam com o perfil traçado das mulheres que recorrem a esta prática, muitas das quais se colocam contra o aborto. Verificamos, pois, que há uma grande distância entre o que se diz e o que se faz efetivamente, o que sugere a influência da opinião compartilhada publicamente nas comunidades em que se integram as mulheres e homens que vivenciam o aborto em suas trajetórias sobre o que estas mesmas pessoas podem dizer de si nestes espaços de convivência. Compreender a permanência do aborto em nossa sociedade demanda atenção para esta contradição entre discurso e prática. Afinal, como falar sobre uma experiência que se mostrou necessária ou mesmo a única opção no momento, mas que é vista pelos outros como um pecado, um erro ou mesmo um crime? A história oral se mostra como um conjunto de procedimentos adequado para adentrar esse espaço conflituoso, que mistura medos privados diante da opinião pública. Com instrumentos que permitem o anonimato e se ampara em posicionamento ético frente às subjetividades, torna possível a escuta dessas experiências que, em tanto momentos, acaba sendo situação de desabafo ou mesmo de compartilhamento de segredos. Mas também configura espaço para a difusão de histórias que se querem públicas, a fim de estimular o debate sobre o assunto. O presente artigo pretende abordar aspecto que conecta o tema do aborto em dois extremos: a experiência vivida e o discurso produzido publicamente, procurando atentar para as interferências das falas que vem da comunidade naquelas que são elaboradas pelos sujeitos das histórias. A análise em questão se baseia em entrevistas realizadas no âmbito da pesquisa de doutorado em andamento “O aborto em questão”, em que homens e mulheres de diferentes comunidades são convidados a falar sobre suas experiências e opiniões acerca do aborto.