GT 15 – História Pública das Ciências e da Saúde
Coordenadores:
Kaori Kodama (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz)
Luisa Massarani (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz)
Paulo Elian dos Santos (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz)
Visitando hospitais: a história vivenciada pelos alunos de Arquitetura da Saúde no Brasil
Renato da Gama Rosa Costa – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Este trabalho se propõe a apresentar as experiências com os alunos da disciplina Arquitetura da Saúde no Brasil, componente do Curso de Especialização em Gestão e Preservação do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde, oferecido pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Essa disciplina, por mim ministrada, discute as transformações pelas quais passou a arquitetura na sua relação com a saúde, do século XVIII a meados do século XX, abordando temas referentes a Hospitais e tipologia arquitetônica (claustro, higienista, pavilhonar e monobloco) e Instituições de saúde e os tipos de doenças: sanatórios para tuberculosos, leprosarias, manicômios para doentes mentais, hospitais de isolamento, hospitais gerais etc. Ao longo do curso são apresentados diferentes exemplos de arquitetura para a saúde desenvolvida no Brasil nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Salvador, fruto do trabalho coordenado pela Rede Brasil de Patrimônio Cultural da Saúde. Embora o curso privilegie a especificidade brasileira, busca-se um diálogo constante com a produção historiográfica internacional sobre o tema, sobretudo Portugal e França. Nas duas aulas finais são realizadas visitas a hospitais, procurando perceber in loco os ensinamentos discutidos em aula. Em certa medida, o espaço hospitalar procurou responder às mudanças de paradigmas sanitários e médicos pelos quais passaram o mundo ocidental. Aos poucos, os espaços, ao mesmo tempo que se transformavam de ambientes de acolhimento em ambientes de tratamento, foram ganhando autonomia, inclusive formal. Subordinados à busca por amplos espaços, externos e internos, e procurando contribuir no combate a uma cada vez maior individualização das doenças, os espaços de saúde procuraram multiplicar e aperfeiçoar seus ambientes de cura. E é isso que se pretende perceber nas vistas com os alunos e assim, contribuir para um maior conhecimento acerca desses espaços, sobretudo hospitais, que muitas das vezes passam desapercebidos por nós. Os objetos a se visitar são escolhidos de acordo com os interesses dos alunos e seus projetos de monografia e também procurando valorizar uma tipologia e/ou uma determinada região da cidade do Rio de Janeiro, como por exemplo, o bairro de Jacarepaguá e seus hospitais de isolamento para doentes mentais (Colônia Juliano Moreira), tuberculosos (Santa Maria e Curicica) e acometidos por hanseníase (Curupaity). Nas visitas, que muitas das vezes contam com especialistas que estudam tais objetos, são analisados, além dos aspectos históricos e arquitetônicos, o estado atual das instalações, procurando perceber as alterações sofridas pelas instituições ao longo de sua história e a preocupação com a valorização e a preservação patrimonial. A disciplina vem atraindo uma gama de alunos de diferentes formações, como historiadores, arquitetos, conservadores e da área das artes.
Pesquisa em saúde em jornais paraenses: um estudo ao longo de 130 anos
Vanessa Brasil de Carvalho – UFRJ
Neste trabalho, apresentamos a cobertura de temas científicos relacionados à área da saúde nos três jornais diários de maior tempo de circulação no Estado do Pará: A Província do Pará (1876-2002), Folha do Norte (1896-1974) e O Liberal (1946-atual). Nossa pesquisa tem uma perspectiva longitudinal, de maneira que analisamos as edições diárias desses periódicos nos meses de janeiro e julho a cada 10 anos. Ao todo, consideramos 130 anos, que se estendem desde 1876 até 2006. Desse universo, encontramos 168 textos que tratavam de ciências da saúde, que foram analisados com metodologias quantitativas. Nossos resultados mostram que os jornais paraenses enfatizaram os assuntos sobre as doenças e seus tratamentos, contrariando o conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde, que é mais amplo e é relacionado ao bem estar do ser humano. O câncer e a Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – sigla em inglês) foram as duas enfermidades mais frequentes nos jornais, mesmo que o vírus HIV, causador da Aids, tenha sido identificado somente na década de 1980. Por outro lado, as doenças endêmicas da região amazônica também tiveram uma participação importante e nossa amostra, a exemplo da febre amarela e da malária. Houve uma forte contextualização das informações apresentadas pelos periódicos, destacando os antecedentes científicos e explicando termos científicos. Encontramos ainda um destaque para os benefícios da ciência, em detrimento dos riscos e malefícios, e poucas menções às incertezas e controvérsias científicas. Por fim, ressaltamos que a pesquisa nacional teve um espaço importante na cobertura sobre ciências da saúde, apesar de observamos uma predominância das pesquisas norte-americanas em nossa amostra. Dentre as instituições mais citadas como fontes, ressaltamos a Universidade de São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Federal do Rio de Janeiro em nível nacional. Mais regionalmente, destacamos a presenças dos estudos do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal do Pará.
O “espírito associativo” e a institucionalização da “sciencia” no Brasil oitocentista: Estado e associações em debate (1860-1882).
Sérgio Augusto Vicente – Fundação Museu Mariano Procópio
Na segunda metade do oitocentos, a sociedade brasileira conheceu uma grande expansão do movimento associativo. Associações de diversos gêneros se estabeleceram no país, intensificando discussões relativas à regulamentação dessa prática. Em decorrência disso, entre os anos 1860 e 1882, vigoraram na legislação do Estado Imperial as disposições da lei 1083 e do decreto 2711, que exigiam de qualquer tipo de associação a prévia solicitação de autorização para funcionar. Essa documentação, composta de requerimento e de ata de reunião dos sócios, era avaliada pelos conselheiros de Estado, que, após minuciosa análise dos objetivos, recursos e estrutura organizacional, emitiam parecer favorável ou desfavorável ao funcionamento da associação, bem como sugestões de mudanças nas disposições estatutárias. O expressivo volume de processos de registro encontrado no fundo Conselho de Estado do Arquivo Nacional (RJ) vem originando pesquisas especialmente preocupadas com a relação Estado – Associações, campo de discussão em que este artigo se insere. Nessa pesquisa, debruço-me especificamente sobre as chamadas associações científicas, refletindo sobre a “utilidade pública” dessas associações. Além da distinta missão de “civilizar” uma nação por meio da difusão das letras e da ciência, as entidades especializadas nas áreas de medicina, farmácia e engenharia trazem à tona elementos importantes para discutir as vicissitudes do processo de institucionalização dessas áreas no país, à luz da relação com a esfera estatal. Nesse sentido, dedicar-se-á especial atenção às divergências suscitadas entre sócios e conselheiros de Estado no que tange à legitimidade dos interesses profissionais e do uso da “liberdade” na publicização do conhecimento e nas estratégias de organização social.
Arquivos históricos diante de novos públicos: estudo exploratório
Aline Lopes de Lacerda; Regina Celie Simões Marques; Jefferson Almeida Silva – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
No mesmo contexto em que as ações de preservação do patrimônio cultural e a produção de conhecimentos históricos se dirigem cada vez mais a uma audiência ampla e diversificada, preconizando sua apropriação pelo conjunto da sociedade, os arquivos têm cumprido novas funções ampliando suas missões e atividades, o que repercute na natureza e no alcance de seus produtos e serviços. Essa ampliação é resultado não apenas das possibilidades de disseminação que as atuais tecnologias de informação oferecem, mas também, e sobretudo, de reflexões provindas do próprio campo acerca do papel dos arquivos na sociedade contemporânea. Hoje, pesquisadores e profissionais da área empenham-se em revisões dos princípios e práticas arquivísticas, de modo a atender às demandas que eles próprios e seus usuários impõem. Em tal cenário, o presente trabalho realiza uma análise das possíveis atualizações de uma antiga parceria, aquela que se dá entre história e arquivologia, tendo como foco o acervo arquivístico sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz (COC), cuja missão e estrutura conformam um lócus privilegiado tanto para a difusão do conhecimento histórico relativo às ciências biomédicas e à saúde pública, quanto para a divulgação científica dessas áreas pelo viés da história. Destacam-se, nessa análise, as necessárias articulações entre a história e a arquivologia em abordagens conceituais sobre valor histórico, memória e patrimônio em arquivos; reflexões sobre processos de patrimonialização de acervos arquivísticos; estudos voltados para a representação desses acervos em instrumentos e ferramentas de pesquisa e divulgação; e desenvolvimento de produtos e serviços, bem como de estratégias e programas de educação patrimonial voltados para públicos ampliados, com recurso ao acervo arquivístico do Departamento de Arquivo e Documentação da COC.
Os caminhos e os descaminhos de uma instituição de história e de memória da Saúde Pública do Estado de São Paulo.
Raisa Sampaio Moura de Oliveira – Museu de Saúde Pública Emílio Ribas – Instituto Butantan
Esta comunicação visa apresentar o andamento da pesquisa desenvolvida sobre a história institucional do Museu de Saúde Pública Emílio Ribas, vinculado desde 2010 ao Instituto Butantan, instituição de pesquisa biomédica do Estado de São Paulo. O Museu foi criado por decreto estadual no ano de 1965, tendo como objetivo principal cultuar a memória do médico Emílio Ribas (1862-1925), cuja atuação no final do século XIX e início do século XX foi expressiva no enfrentamento das diferentes epidemias que assolavam o país e o Estado de São Paulo. Instalado em 1979 no edifício, construído em 1893 para o funcionamento do antigo Desinfectório Central, um dos primeiros equipamentos estruturantes das ações de saúde pública no Estado, tombando pelo CONDEPHAAT em 1995, o Museu sobreviveu até os dias de hoje passando por diferentes concepções e projetos, e envolveu diversos pesquisadores ligados à área da saúde e à pesquisa histórica com o objetivo de preservar a memória da saúde pública de São Paulo, por meio de documentos e objetos recolhidos no decorrer da sua existência. Esta pesquisa procura, portanto, identificar as diferentes iniciativas voltadas ao Museu, objetivando compreender as perspectivas e valores mobilizados na constituição e visibilidade do patrimônio da ciência e da saúde do Estado de São Paulo. Busca entender, também, como aconteceram as articulações com as políticas públicas de proteção e com a produção de uma historiografia da ciência e da saúde.
A Escola de Saúde Pública de Minas Gerais e a formação de pessoal para a saúde pública (1947 -1960)
Isadora Caroline de Araujo Morais – UFMG
Na década de 1940 ,a saúde da população brasileira, apesar do avanço nas políticas de saúde pública, não havia alcançado os níveis desejados, constituindo-se como elemento de entrave ao desenvolvimento do país. As políticas de assistência e especialmente de prevenção às doenças, exigiram forte investimento na capacitação e formação de profissionais, áreas não desenvolvidas pelo Governo de Minas Gerais até 1933, quando inaugurou a Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC), voltada para a formação de enfermeiras de saúde pública. A criação da EECC é um indicativo da nascente preocupação do Estado; entretanto a aposta na formação de enfermeiras de saúde pública, mostrou-se insuficiente para responder a demanda de formação de profissionais para os serviços de saúde pública. Em 1946, o Governo do Estado de Minas Gerais , pressionado tanto por agências internacionais (Fundação Rockefeller), como por demandas nacionais , cria a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG), ligada ao Departamento Estadual de Saúde, com o objetivo de formar e capacitar Recursos Humanos para o quadro de serviços estaduais de saúde. Entre a data de sua criação e o ano de 1960, período analisado, a ESP-MG ofereceu cursos para responder as demandas desses serviços, tais como: cursos de Especialização em Saúde Pública para médicos, e capacitação de profissionais de nível médio como Guardas Sanitários, Escreventes, Visitadoras Sanitárias, entre outros. Ao longo da década de 1950, a ESP sofre com a falta de incentivos a seus cursos, e, para reforçar a sua importância, modifica o perfil de seus cursos e expande o público-alvo, oferecendo o curso de especialização em saúde pública, para outros profissionais além do médico, como para os médicos – veterinários e dentistas. A analise será delimitada entre 1946 e 1960 por entendermos que se trata de um período de inflexão na oferta de cursos, pois marca a última oferta do curso de especialização, exclusivamente para médicos. No mesmo período, muitos cursos que eram ofertados todos os anos, algumas vezes duas vezes ao ano, são cancelados, como os cursos de Guarda Sanitário e Visitadora Sanitária e outros passam a ser ofertados, como o de Coordenadora Sanitária e Higiene Industrial. Com isso, a ESP torna-se responsável tanto por capacitar profissionais para a área de saúde pública como também para ocuparem cargos na administração estadual.
Considerações sobre os usos da história nos processos de trabalho das equipes de Atenção Primária em Saúde no território de Manguinhos (Rio de Janeiro, 2004/2013)
André Luiz da SIlva Lima e Tania Maria Dias Fernandes – Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz)
[email protected] e [email protected]
O Sistema Único de Saúde, criado pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei Federal 8080/90 tem por características a institucionalização do acesso universal à saúde, compreendida enquanto direito do cidadão, com a prestação de serviços regionalizada e hierarquizada. A hierarquização operacional pressupõe o acesso aos serviços a partir da Atenção Primária, que no Brasil labora sobre o termo ‘Atenção Básica’. Este nível do serviço público em saúde caracteriza-se pela atuação organizada com circunscrição territorial pelas Equipes de Saúde da Família. Essa delimitação espacial de atuação dos profissionais envolvidos na Atenção Primária é um elemento relevante, pois pertence à sua práxis, voltada para a promoção da saúde, o trato com as histórias das pessoas e dos lugares aonde atuam, incorporando as memórias coletivas e trabalhando-as numa reconfiguração constante, que resulta numa narrativa histórica não pautada pela história-disciplina com seus métodos e pressupostos. Em Manguinhos, território deste estudo, a Fundação Oswaldo Cruz tem conduzido a produção de narrativas históricas sobre esta localidade, que interagem, no âmbito da atuação dos profissionais de saúde na Atenção Primária, dialeticamente com as histórias não oficiais reproduzidas pelos atores locais. Caberá, neste congresso, tecer considerações acerca destes estudos sobre o território de Manguinhos, focando alguns de seus usos, especificamente no âmbito da Estratégia da Saúde da Família.
Divulgação em história das ciências e da saúde: a experiência do Ciência em Cena (Museu da Vida/COC/Fiocruz).
Wanda Susana Hamilton – Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz
O Ciência em Cena, espaço de visitação do Museu da Vida, desenvolve projetos que articulam arte e ciência, com o objetivo de incentivar a participação do público visitante nas atividades que apresenta. Composto por uma equipe multidisciplinar que envolve cientistas sociais, físicos, biólogos, matemáticos, atores e diretores teatrais, o setor privilegia o teatro para provocar o público a pensar, reagir, questionar e debater diversas temáticas científicas especialmente voltadas para o campo da história das ciências e da sáude. Entre os espetáculos apresentados, destacamos “Sangue Ruim”, texto escrito por Paul Sirett para a companhia britânica Theatrescience, que aborda, do ponto de vista histórico, as questões éticas que envolvem as pesquisas científicas com seres humanos. O título é uma referencia ao estudo de Tuskegee, abordado na peça, que envolveu 600 homens negros com o objetivo de estudar a evolução natural da sífilis, realizado no estado do Alabama (EUA), entre 1932 e 1972. Os avanços verificados no campo da ciência e da tecnologia que tiveram impacto no desenvolvimento de novas terapias para o tratamento de doenças, como o uso de células tronco, e no desenvolvimento e produção de novas vacinas e medicamentos trazem para o centro da agenda de debates científicos as questões éticas que atravessam as pesquisas, testes e estudos clínicos que não podem prescindir da participação de seres humanos. A diversidade de aspectos envolvidos nesta discussão engloba diferentes campos do conhecimento e reflete a complexidade dos dilemas que nascem desse cenário.
A peça contextualiza essa discussão na África, no ano de 1997, onde uma pesquisadora inglesa desenvolve um estudo clínico para testar um medicamento que poderia reduzir a taxa vertical de transmissão do vírus HIV a índices menores do que aqueles alcançados pelo AZT, utilizado na época. Enquanto trabalha em sua sala, é procurada por um jovem estudante africano que trabalha na administração do hospital e se diz interessado em aprender inglês. No desenrolar da história, o jovem revela informações sobre seu interesse na relação e a peça ganha força no conflito que emerge do contraste entre as origens, a trajetória e as posições assumidas pelos dois personagens. A apresentação deste espetáculo teve como objetivo mais geral produzir conhecimento e incentivar o debate sobre os temas abordados na peça, entre eles: a história da bioética e as questões éticas de pesquisas envolvendo seres humanos; história da doença, características, transmissão, prevenção e tratamento da Aids; diferenças e desigualdades sociais e culturais; discriminação social e racial; e diversos aspectos relacionados ao trabalho teatral.
O conhecimento histórico nos Museus de Ciências
Josiane Roza de Oliveira – Museu de Saúde Pública Emílio Ribas – Instituto Butantan
Uma das principais dificuldades para o desenvolvimento do conhecimento histórico nos museus de ciência parece advir justamente do conflito entre a forma como a comunidade científica se constitui e se apresenta e a relação estabelecida com seu passado. Isto porque, como apontam alguns autores, a ciência é um objeto especialmente avesso a ideia de historicidade, principalmente pela crença no seu processo evolutivo e linear de elaboração. Desta forma, pareceu significativo analisar museus de ciência que possuem preocupação com a dimensão histórica das áreas as quais se dedicam. E, nesse caminho, foi possível identificar diferentes concepções de história entremeadas e procurando direcionar a atuação das instituições. A pesquisa abordou a criação, em meados dos anos de 1980, de duas instituições preocupadas com a preservação, pesquisa e valorização do patrimônio científico brasileiro, a Casa de Oswaldo Cruz, focando a análise sobre suas ações museológicas e o MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins. Objetivos diferentes e divergentes estão unificados e mediados pelas instituições, nas quais identificamos pontos de tensão entre os interesses dos cientistas e os interesses dos historiadores e pesquisadores da história disciplinar. A presente comunicação, portanto, objetiva trazer contribuições ao debate sobre os museus envolvidos com temas de ciência e sua publicização, correlacionando suas práticas com as perspectivas desenvolvidas no âmbito da teoria da história e de uma historiografia da história das ciências no Brasil.
A Ciência que eu faço e as conexões com o núcleo de história oral da ciência no MAST
Marta de Almeida; Vera Pinheiro – Museu de Astronomia e Ciências Afins MAST
Esta apresentação destacará o projeto A Ciência que eu faço e sua interface com a história pública. Destaca-se a dimensão crítica de produção de fontes audiovisuais que, num primeiro momento, ao longo de mais de 250 depoimentos, se voltou para a divulgação de algumas trajetórias pessoais de cientistas, no formato de filmes de curta duração, no intuito de motivar e despertar o interesse de jovens para as carreiras científicas. Ao mesmo tempo, dialoga com os pesquisadores de história da ciência, pela riqueza e diversidade do acervo formado, pela convergência com uma ação mais ampla do MAST para organizar um núcleo especializado com entrevistas já realizadas no âmbito de diversos projetos acadêmicos da instituição ao longo dos anos. Busca-se ainda incentivar novas ações que possam alimentar reflexões acadêmicas sobre a construção da memória e divulgar a ciência produzida no país, sobretudo vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O livro das mães de Antônio Fernandes Figueira – por que reimprimi-lo?
Gisele Sanglard – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Este trabalho tem por objetivo discutir a edição, fac-similar, de obras das ciências e da saúde como forma de ampliar a discussão sobre temas de interesse da área. Este livro, publicado pela primeira vez em 1910 e com reedições em 1919 (2ª ed.) e em 1926 (3ª ed.) é um dos poucos trabalhos de Fernandes Figueira voltados para o tema da assistência à infância e com caráter de vulgarização da ciência e muito pouco conhecido e de difícil localização. Essa edição singulariza-se pelos prefácios assinados por Afrânio Peixoto e por Luiz Morquilo, professor de clínica pediátrica da Universidade de Montevideo (Uruguai), considerado o maior especialista no tema na América Latina. Morquilo ressalta a forma simples e sucinta através da qual Fernandes Figueira analisa 101 problemas práticos da vida da primeira infância. Antônio Fernandes Figueira (1863-1928), médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ) em 1887, pertence à primeira geração de especialistas dedicados à saúde infantil no Brasil. Contudo, conhecer as propostas de Fernandes Figueira para a infância não é tarefa fácil. Ao contrário dos dois outros pediatras seus contemporâneos, Moncorvo Filho e Luiz Barbosa, deixou pouca coisa escrita sobre esse assunto. Sua vasta produção é composta primordialmente por trabalhos técnico-científicos. A frente da Inspetoria de Higiene Infantil, no bojo da reforma sanitária de 1919, Fernandes Figueira transformou suas ideias em uma das facetas do controle da esfera pública nas questões atinentes à infância. Outros pontos singularizam Fernandes Figueira de seus contemporâneos: sua ligação com Manguinhos, notadamente com Carlos Chagas; sua presença, desde 1903, na Academia Nacional de Medicina; sua presença como médico da seção infantil do Hospital Nacional de Alienados; e sua busca por uma definição das esferas pública (estado) e privada (filantropia) na assistência à infância. Fernandes Figueira dedica-se à cruzada contra a mortalidade infantil, com ênfase no aleitamento materno e seu público-alvo são primordialmente as operárias e as crianças de até um ano de idade como deixa claro em seus trabalhos.
A erradicação da poliomielite e o surgimento da Síndrome pós-pólio
Dilene Raimundo do Nascimento – Fundação Oswaldo Cruz
A Comissão Internacional para a Certificação da Erradicação da Poliomielite (CICEP) reunida em Washington, em agosto de 1994, declarou interrompida a transmissão do poliovirus selvagem nas Américas. Estava erradicada a poliomielite nas Américas e, portanto, no Brasil. Ao mesmo tempo em que o Brasil recebeu a certificação de erradicação da pólio, surgiu uma nova situação para os sobreviventes da pólio: pessoas entre 40 e 50 anos, que tiveram pólio na infância, começaram a apresentar fraqueza muscular, dores, fadiga e dificuldade de andar, sem ter o diagnóstico desses sintomas. Tratava-se da Síndrome Pós-Poliomielite. A primeira referência da Síndrome Pós-Pólio, no Brasil, surgiu em documento escrito pela médica fisiatra Linamara Rizzo Battistella, intitulado “Síndrome Pós-Pólio: reescrevendo a história da reabilitação”, apresentado à Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação. No ano de 2003, foi criado um atendimento específico no Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Para esse serviço acorreram os sobreviventes da poliomielite que apresentavam os sintomas da Síndrome Pós-Poliomielite, doença desconhecida e invisível aos olhos da sociedade em geral, até então. Técnicos e doentes jogaram um papel importante para em 2008, a Síndrome Pós-Pólio fosse aceita pelo Comitê Internacional de Classificação de Doenças da Organização Mundial de Saúde, sendo designada pelo código G14, incluída na CID-10.
Este trabalho pretende analisar o processo que levou a Síndrome Pós-Poliomielite de desconhecida e invisível à sua incorporação na Classificação Internacional de Doenças, bem como a representação da doença na narrativa daqueles por ela afetados. Desenvolvido no campo da História Social, situa-se no cruzamento entre a chamada história das doenças e a história das ciências, utilizando como fontes artigos médicos e narrativas de pessoas afetadas pela síndrome.
História e câncer: entre o medo e a curiosidade
Paula Arantes Botelho Briglia Habib; Marcio Magalhães de Andrade – Casa de Oswaldo Cruz; Fundação Oswaldo Cruz
Pulmão, seios, colo do útero. Escritas assim, de maneira aleatória, estas palavras não dizem muito. Basta uma simples combinação, no entanto, para que os vocábulos adquiram peso aterrorizante: câncer no pulmão, câncer nos seios, câncer no colo do útero. Como as pessoas lidaram, ao longo dos tempos, com o motivo do terror? O que foi feito, no decorrer de nossa história sanitária, para combatê-lo ou, em termos atuais, controlá-lo? Esta comunicação apresenta experiências provenientes do projeto “História do Câncer – atores, cenários e políticas públicas”, uma parceria entre a Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). E quem nos lê? Quem se interessa pelo tema? Para além do público acadêmico, especializado em História das Doenças e História da Saúde Pública, conseguimos alcançar profissionais da área de saúde e o público leigo, que nos acessa por meio de exposições temáticas, redes sociais e homepage. Nosso projeto tem dedicação especial à história das políticas públicas para o controle dos cânceres de colo de útero e de mama e o controle do tabagismo. Milhares são as mulheres e homens atingidos por estas formas da doença no Brasil! O levantamento e a organização de fontes textuais e iconográficas sobre a temática e a constituição de um acervo de depoimentos audiovisuais, composto por entrevistas com os principais personagens da história do controle do câncer no Brasil, são nossos principais legados, por um lado. Por outro, que extrapola a pesquisa restrita à Academia e à produção de conhecimento stricto sensu, fazemos uso de suportes e estratégias que dão acesso a informações e conhecimentos na área da saúde pública, de forma ampla e para um público composto por não-iniciados. Até o presente, nossa equipe produziu três exposições: Campanhas educativas de prevenção do câncer de colo de útero no Brasil; O controle do tabaco no Brasil: uma trajetória; A mulher e o câncer de mama no Brasil. Tais exposições foram montadas em diversos locais do Brasil, integraram congressos médicos e de saúde coletiva e auxiliaram na educação em saúde de centenas de pessoas que circularam, por exemplo, no Centro de Saúde Américo Velloso, na comunidade da Maré (RJ). Compreendendo a produção de conhecimento e a divulgação em saúde como processos dinâmicos, as experiências de montagem das exposições proporcionam à equipe do projeto a possibilidade de repensar formas de construção e divulgação do conhecimento histórico.
História Pública das Ciências e da Saúde: desafios contemporâneos
Paulo Roberto Elian dos Santos, Luisa Massarani e Kaori Kodama – Casa de Oswaldo Cruz
Este grupo de trabalho pretende realizar um primeiro esforço de reunir profissionais que se dispõem a refletir sobre as práticas no campo da história das ciências e da saúde frente a públicos diversos. Nos anos recentes, a história das ciências tem ampliado seu campo de atuação por diferentes demandas sociais, ao mobilizar conceitos como patrimônio, identidade, memória e cultura, e fazer com que se ampliem e se modifiquem as noções de popularização e divulgação científica. Em paralelo às inflexões da memória no campo da história, observável em nossos tempos, há também a centralidade da ciência na vida coletiva das sociedades contemporâneas, que direcionam nosso olhar para questões relativas à produção da ciência e aos variados processos de sua construção/legitimação, bem como às implicações do fazer científico sobre o campo ético. Ambos os fenômenos – o relativo aos significados e usos da história na contemporaneidade e o papel da ciência no seio de uma sociedade cada vez mais complexa – implicam em repensarmos as atuais abordagens dos historiadores das ciências junto ao público, e que tem se manifestado por variadas formas comunicativas, tais como filmes, teatro, exposições, eventos, entre outros. Nesta apresentação do grupo, procuraremos expor e apresentar algumas dessas abordagens.
“Finalmente encontrei um nome para o que faço, para o que quero fazer”
Moema de Rezende Vergara – Museu de Astronomia e Ciências Afins
Esta frase enunciada no primeiro curso de história pública no país expressa perfeitamente o meu sentimento ao receber o convite para participar deste simpósio. No trabalho sobre a história da divulgação da ciência no Brasil que desenvolvo há mais de uma década, o público é questão central e partilho com preocupação de que este não poderia ser visto como tabula rasa e também era agente da produção do conhecimento em pauta no espaço da divulgação. Além disto, como pesquisadora do MAST eu criei em 2007 um curso de extensão sobre a formação do território brasileiro que possui como motor principal a ideia que promover pontes entre a produção de ponta na pesquisa na área de história da ciência e os professores em sala de aula. Assim, acredito que este simpósio seja uma grande oportunidade para avançar nos estudos de história pública e história da ciência e produzir reflexões historiográficas de forma mais sistematizada e menos intuitiva.